Criminalidade contemporânea e correspondente modelo persecutório

Ano V – 20

Alessandro José Fernandes de Oliveira*

O fenômeno “crime”, à cavaleiro, sua perspectiva analítica, tem sofrido algumas alterações nas últimas décadas. Seja em relação à visão de doutrinadores, especialmente no campo da chamada nova criminologia (crítica), seja em relação ao próprio fenômeno em si, com práticas de repercução diferenciada, sem precedentes históricos em muitos aspectos.

1. Paradigma Criminológico (Criminologia Crítica)

Os estudos criminológicos têm sofrido profundas modificações, superando um (classista) paradigma etiológico para inserções sociológicas de maior envergadura crítica.

Como uma das conseqüências principais decorre um “desvio de atenção” persecutória, dos delitos tradicionalmente praticados por classes subalternas (basicamente delitos patrimoniais) para os “atos lesivos” praticados por classes economicamente privilegiadas (criminalidade econômica, política, eleitoral, ambiental, enfim, da “grande e verdadeira criminalidade organizada”).

Muitos poderiam ter sido os enfoques para o trato e apresentação da mudança paradigmática. Ao invés da simples reprodução dos autores consagrados, preferiu-se uma versão original, vale dizer, “a apresentação da nova criminologia, sob a via da ética da libertação”.

Embora apresentada de maneira breve, a união entre a criminologia crítica e filosofia (pura), demonstra contornos inquietantes, nem por isso de menor interesse ao estudioso.

Enrique Dussel, filósofo argentino, um dos corifeus da transmodernidade, lançou

as bases da denominada “Ética da Libertação”,1 partindo da realidade de globalização- exclusão no contemporâneo “sistema-mundo”.2

Desenvolvendo um viés teórico calcado em seis momentos tópicos, sintetiza o ato bom como aquele que seja considerado verdadeiro, válido e factível.3

Imerso em um dos momentos, precisamente ao tratar da nova factibilidade ética frente aos novos sujeitos históricos, Dussel aborda a questão da violência, e com ela toda uma gama de categorias, tal como a dicotomia legalidade e legitimidade de coação.4

Com a ciência penal e processual penal emerge a figura do operador do Direito e seu papel, talvez personalizado na figura do “perito”, na linguagem de Dussel, capaz de desempenhar importante função na “transformação” da realidade.5

“Quando o Direito Penal torna-se pura violência e passa a “vitimizar” criminosos?” (O paradoxo “vítima-criminoso” é proposital). É aí que parece ter lugar a criminologia contemporânea.

Como visto em apertada síntese, o agir ético pode ser qualificado como “bom” se for, ao mesmo tempo, verdadeiro, válido e factível, isto é, deve atender, simultânea e respectivamente, os critérios e princípios material, formal e de factibilidade.

Assim, dentro de qualquer sistema de eticidade (onde certamente podem ser incluídos as instituições persecutório-penais), o comportamento (a atitude, a obra, o ato) deve realizar um componente material que, de maneira ampla, possa buscar (ou preservar) a produção, reprodução ou desenvolvimento da vida humana.

Ao mesmo tempo deve satisfazer um componente formal, ou de validade, a partir do reconhecimento recíproco de igualdade entre todos os participantes afetados, que por isso devem participar simetricamente das discussões argumentativas, livres de qualquer outra coação que não a do argumento.

Por fim, o ato deve satisfazer o componente da factibilidade, considerando calculadamente, com racionalidade instrumental (meio-fim), as condições empíricas, tecnológicas, econômicas, jurídicas, etc., isto é, o ato não precisa ser “perfeitamente bom”, o que seria impossível, mas “aproximadamente bom”, dentro de um marco de possibilidade prática.

Paralela à eticidade, a categoria “violência” sempre preocupou os estudiosos dos “paradigmas societais” e, à cavaleiro, dos operadores do Direito. Em corte não menos arbitrário, senão necessário, a “violência” remonta a noção de autoridade desenvolvida por Hanna Arendt (partindo da filosofia grega)6 contraposta à noção de enforceability do pensamento de Jacques Derrida.7 A abordagem estaria ainda mais incompleta sem menção a Marx, para quem, a violência é a “parteira de toda velha sociedade prenhe de uma nova”.8

Na interpretação de Hanna Arendt, significa que as forças ocultas do desenvolvimento da produtividade humana, na medida em que dependem da ação humana livre e consciente, somente vêem à luz através de guerras e revoluções.

Continuando com a empresa de Marx, à luz de Hannah Arendt, no âmbito interno, a violência, ou antes, a posse dos meios de violência, é o instrumento da classe dominante por meio do qual ela oprime e explora, e toda a esfera da ação política é caracterizada pelo uso da violência.9

Hannah Arendt concorda que as guerras e revoluções determinaram a fisionomia do século XX, mas, por coerência aos seus argumentos, restringe à violência fora do campo político, e mais, em um campo antipolítico.10

Para ela, a violência é um “equivalente funcional da autoridade”, assim como um “salto de sapato feminino pode ser equiparado e definido como martelo”, quando utilizado para enfiar pregos na parede. “Se a violência preenche a mesma função que a autoridade – a saber, faz com que as pessoas obedeçam –, então violência é autoridade”.11

Na verdade, como explica, a noção de autoridade implica na “obediência” com exclusão de qualquer meio externo de coerção. “Onde a força é usada, a autoridade em si mesma fracassou”. 12

Jacques Derrida, embora apresente concepção própria, ao opor Direito e justiça  enfatiza que o Direito é dotado de enforceability,13 ou seja, possibilidade de ser aplicado pela força autorizada, uma força que não é somente força física, exterior, mas também como força interior, sutilmente discursiva ou hermenêutica.

Dussel tem uma visão um pouco diferenciada, que, conforme o ponto de vista, concilia as concepções apresentadas. Para ele, a violência se restringe à coação exercida de maneira ilegítima.

Ele reconhece que toda a instituição ou sistema deve dispor de mecanismos que permitam “canalizar” os que não estiverem dispostos a cumprir os acordos validamente aceitos.14

Essa coação, a qual inclui todo o aparato persecutório penal, não pode ser denominada violência, enquanto permanecer legítima.

O conflito começa a emergir quando determinados sujeitos sócio-históricos, mais ou menos abrangentes (movimentos ecológicos, anti neoliberalistas, de classe profissional, da marginalidade econômica, do gênero feminino, da raça não-branca, etc.) passam a sofrer a incidência de efeitos perversos deste mesmo sistema institucional (tornam-se vítimas na expressão de Marx). Para eles, ou melhor, contra eles, a coação, embora continue sendo legal (já que parte do sistema hegemônico), deixa de ser legítima, ou seja, torna-se pura “manifestação de violência”.

Para um pequeno grupo “dominante”, a coação continua sendo, simultaneamente, legal e legítima. Para as “vítimas”, permanece legal, mas perde sua legitimidade.

Nos moldes “gramscinianos”, esta violência, relativa por natureza, se manifesta crescentemente em uma crise de hegemonia.

A ética da libertação vai se manifestar quando a ordem dominante (Weber) ou hegemônica (Gramsci) se torna ilegítima. Todavia, não ilegítima para uma “superestrutura” (Marx), mas ilegítima para “vítimas” que, por definição, são aqueles que sofrem reflexos perversos (negativos) do sistema.

Para as vítimas, as quais podem assumir feições sócio-históricas das mais variadas, qualquer coação será pura violência, isto é, uso ilegítimo da força.

A grande questão que, finalmente, salta aos olhos e à mente, é o local em que se situa o aparato persecutório penal nesta problemática, ou melhor, quando o uso do Direito Penal, a fortiori, dos aparelhos estatais de persecução, tornam-se pura manifestação de violência, dando azo a interessante paradoxo: quando o Direito Penal criminaliza vítimas, quando o Direito Penal torna-se manifestação de pura violência a ponto de criminalizar comportamentos que partem mais de “vítimas” do que de “delinqüentes”.

O paradoxo demonstra, acima de tudo, que a criminalidade está imersa em uma problemática, e um estado de coisas, muito maior do que as meras soluções apresentadas pela estrita dogmática penal tradicional.

Antes de se adentrar na questão propriamente dita, mister se faz a manipulação dos conceitos (operacionais) que foram apresentados adrede.

Como se pode verificar prima facie, a atividade persecutório penal do Estado éincompatível com a noção de autoridade. Sendo a autoridade a obediência que exclui a coação e a persuasão, excluído está o aparato persecutório, pois fundado na coação com vistas à execução das devidas “penas”.15

As vítimas do sistema, lembrando, aqueles que sofrem os efeitos perversos das decisões tomadas, são afetadas na produção, reprodução e desenvolvimento de suas vidas. Em outras palavras, o sistema persecutório penal acaba por afetar a vida humana em seu momento material, atingindo suas corporalidades vulneráveis, impossibilitando a vida (lato sensu) pelo fato de serem excluídos.16

As “vítimas”, da mesma forma, acabam sendo afetadas com base no momento formal, pois não participaram faticamente da discussão argumentativa. Os “acordos” ignoram suas qualidades de vítimas.

Aliás, a criminalização secundária, com supedâneo em desvios proporcionados pelo lado negativo da imprensa de massa (dentre outros fatores), acaba incutindo uma espécie de “auto flagelação da população marginalizada”, os quais, ideologicamente manipulados, acabam concordando, de maneira geral, com a necessidade imperiosa da ampliação de controles estatais (leia-se ampliação do “Estado de Polícia”) de combate à criminalidade, numa titânica luta contra o “crime organizado”. Sob certos aspectos, a ampliação da noção de crime organizado pode significar um “discurso desviante oportuno”.17

No que tange à factibilidade, parece ser bastante possível, nos diversos níveis (inclusive jurídico), a exclusão da criminalidade em relação a certas (restritas) pessoas e circunstâncias que as tornam mais vítimas que criminosos.

De fato, existem circunstâncias em que o Direito Penal transforma-se em pura violência, pois acaba afetando em seu momento material (na produção, reprodução e desenvolvimento da vida) pessoas que, sem acesso ao processo argumentativo, acabam tendo suas condutas analisadas à luz de princípios e de um sistema puramente persecutório. Na vala dos criminosos, acabam sendo “impulsionadas” verdadeiras vítimas, excluídos, vulneráveis, ou qualquer outra “etiqueta”.

No outro extremo, práticas verdadeiramente danosas acabam excluídas do alcance persecutório penal.

Mas quando o Direito Penal torna-se pura violência? Como descobrir o elemento divisor entre o criminoso e a vítima? Quando o aparato policial e persecutório penal (strictu senso)permanece legítimo, já que necessário à manutenção de uma instituição ou sistema? Ou quando ultrapassa esta fronteira para tornar-se violência?

Não existem respostas seguras. A fronteira (como elemento que simultaneamente une e separa), situa-se em uma zona cinzenta já conhecida e sempre enevoada.

O Direito Penal pode ser muito mais que um arquipélago de ilicitudes em um mar de licitudes, mas um importante instrumento em prol de uma ética de libertação.

É aí que tem relevo o papel da nova criminologia com as propostas apresentadas por seus corifeus.

O papel do perito na transformação da realidade é muito bem traduzido para o campo da sociologia jurídico-penal de Alessandro Baratta, embora sem esta intenção imediata e fundado basicamente no materialismo marxista:

A natureza dialética da mediação entre teoria e práxis, que caracteriza este modelo de ciência social, é a medida do caráter racional do seu compromisso cognoscitivo e prático. A mediação é dialética quando o interesse pela transformação da realidade guia a ciência na construção das próprias hipóteses e dos próprios instrumentos conceituais e, por outro lado, a reconstrução científica da realidade guia a práxis transformadora, desenvolvendo a consciência das contradições materiais e do movimento objetivo da realidade, como consciência dos grupos sociais materialmente interessados na transformação da realidade e na resolução positiva das suas contradições e, portanto, historicamente portadores deste movimento de transformação. Isto significa que, em uma ciência dialeticamente comprometida no movimento de transformação da realidade, o ponto de partida, o interesse prático por este movimento, e o ponto de chegada, a práxis transformadores, estão situados não só na mente dos operadores científicos, mas principalmente nos grupos sociais portadores do interesse e da força necessária para a transformação emancipadora. […]

Na atual fase do desenvolvimento da sociedade capitalista, o interesse das classes subalternas é o ponto de vista a partir do qual se coloca uma teoria social comprometida, não na conservação, mas na transformação positiva, ou seja, emancipadora, da realidade social. O interesse das classes subalternas e a força que elas são capazes de desenvolver são, de fato, o momento dinâmico material do movimento da realidade.18

Em boa hora, a comunidade jurídico-penal parece estar cada vez mais atenta para esta realidade.

Dentro do agir ético, sem sombra de dúvidas, encontra-se a atitude corajosa de, sem esquecer da criminalidade tradicional, voltar os aparelhos persecutórios à criminalidade efetivamente responsável por danosidade social relevante, esta sim, uma “macrocriminalidade organizada”, mormente ao se tratar de crimes empresariais ambientais, contra o sistema financeiro, de lavagem de dinheiro, corrupção estatal, crimes econômicos de maneira geral.

Nesta atitude, assume relevo o aparelhamento estatal no combate ao novo tipo de criminalidade que, na verdade, é mais um novo tipo de ver o crime, ou de criminaliza (processo de criminalização) que não se restringe à persecução da pequena criminalidade (as vezes compostas de vítimas e criminosos – de acordo com o paradoxo visto), mas voltada, também e principalmente a “criminosos de colarinhos brancos”. Repita-se, sem descurar da criminalidade de “menor danosidade potencial”, que também carrega o mister da persecução.

Na mudança estrutural, por uma série de razões a todo tempo debatidas, há de ser assegurado o papel ativo de um dos personagens principais da nova política criminal, agente privativo da ação penal pública, o MINISTÉRIO PÚBLICO (brasileiro). Detentor privativo da ação pública tem o ônus, mister e condição privilegiada de desenvolver, eticamente, uma política criminal minimamente adequada.

A mudança de enfoque, para além de ética, não caracteriza um “ato violento” (nos moldes vistos), mas uma perspectiva persecutória verdadeira, válida e factível. Verdadeira porque a “macro-criminalidade (já imersa na nova visão criminológica) é a que realmente causa danos coletivos na convivência social; válida pois, para além de legal é legítima, especialmente se desencadeada pelo Ministério Público, órgão democrático incumbindo constitucionalmente para ser o intermediário entre a sociedade e os poderes instituídos; factível, aliás, os órgãos ministeriais têm atuado sobremaneira na inversão criminológica.

Inversão criminológica que, paradoxalmente, é resultado do processo econômico
de globalização.

Nas palavras de Antônio Henrique Graciano Suxberger:

A globalização – fenômeno de natureza econômica, compreendido precipuamente a partir da década de 70 do século XX com as duas quedas do petróleo e a transformação radical do sistema financeiro delas advinda, que acabou por alterar o próprio modelo econômico do capitalismo – apresenta duas grandes notas distintivas: a aceleração do processo tecnológico e o vultuoso aumento da circulação das mercadorias e capitais. Por conseqüência, observa-se apronta necessidade de maior rapidez dos processos decisórios. É nesse quadro que surge o distanciamento entre o chamado tempo do Direito (por natureza, diferido) e o tempo real (marcado pela necessária simultaneidade). O campo decisório, portanto, desloca-se do campo político para o campo econômico. […]

O modelo globalizador produziu novo tipo de criminalidade – aqui sim vale a expressão criminalidade organizada.19

Lembre-se, por fim, que não se trata de abandonar a “persecução penal tradicional”, senão priorizar a atividade contra a criminalidade de “danosidade exponenciada”, como pondera Lenio Streck e Luciano Feldens. (…) deve o Estado, paralelamente à atividade que tradicionalmente vem desempenhar em face de condutas que atentam diretamente contra a vida e a dignidade humana, priorizar o combate aos delitos que colocam em xeque os objetivos da República, inscrevendo-se nesse rol, dentre outros, os crimes de sonegação fiscal, a corrupção, a lavagem de dinheiro e os delitos contra o meio ambiente. […]

Mudou o Direito Penal. Parece óbvio, portanto, que o Ministério Público, nesse contexto político normativo, não pode mais ser visualizado do alto – e do longe – da tradição penal- processual que se estabeleceu no Brasil nas últimas seis décadas, a partir de um imaginário liberal-individualista-normativista forjado no Código Penal de 1940 e no Código de Processo Penal de 1941. Trata-se, em síntese, de compreender o problema sob um olhar pós-iluminista, afastando velhas dicotomias que serodiamente separam Estado e Sociedade, como se o indivíduo fosse um débil a ser protegido contra a maldade do Leviatã.20

Tocante à mudança na política de atuação ministerial, estar-se-ia adentrando já no próximo item.

2. Crise nos Sistemas Persecutório-Penais, Passagem do “Estado Policialesco”
à Ampliação das Atribuições Instrutórias Ministeriais

O sistema persecutório penal está em crise, isto é fato.21

Como sintetiza Kédyna Cristiane Almeida Silva:

No que concerne à Administração da Justiça criminal, o problema principal que se formula consiste na ineficácia do sistema para alcançar os fins sociais que se propõe, e que vão desde a prevenção geral, por meio da proteção dos bens juridicamente tutelados, até a prevenção especial, que se inspira nos ideais de (re)integração e (re)ssocialização dos autores de condutas delitivas. Sem sombra de dúvidas, tanto o Direito Penal como o Processo Penal passam por uma manifesta crise de legitimidade social. O modo segundo o qual estão estruturados, por um lado, não atende à demanda social, que exige políticas públicas mais severas no tocante à atuação do Estado no combate ao recrudescimento da criminalidade urbana e, particularmente, da criminalidade organizada.22

Mais à frente, uma passagem que interessa de maneira mais intensa: “por outro lado, é preciso ressaltar que os problemas evidenciados no âmbito da Administração da Justiça criminal extrapolam os limites que concernem ao plano processual, e que se refere fundamentalmente à ineficiência dos procedimentos”.23

Não que a presidência da instrução extraprocessual preparatória (préprocessual) a cargo do Ministério Público resolva todos os problemas da criminalidade. Acontece que, diante dos novos perfis da criminalidade, diante do novo paradigma criminológico, soa como arcaica uma persecução penal baseada em uma instrução pré-processual conduzida total e exclusivamente por órgãos policiais, como pretendia, recentemente, a famigerada “PEC 37”.

É uma manutenção imatura do “Estado Policialesco” que sempre predominou nos sistemas de repressão penal, notadamente quando cingidos em uma ideologia de preeminência econômica, como visto no item anterior. Nas palavras de Lenio Streck e Luciano Feldens,24 “a proteção da propriedade privada figurava como o ponto central do Direito Penal, fazendo com que a clientela da justiça criminal se fizesse tradicionalmente representada pela classe baixa, circunstância essa, aliás, que perdura até os dias atuais.”

Como no panorama traçado por Jeffrey Robinson:

(…) enquanto vivemos num mundo onde uma filosofia de soberania do século XVII é reforçada por um modelo judiciário do século XVIII, defendido por um conceito de combate ao crime do século XIX que ainda está tentando chegar a um acordo com a tecnologia do século XX, o século XXI pertencerá aos criminosos transnacionais.25

A complexidade criminosa exige uma complexidade organizacional no combate aos criminosos, incompatível com o sistema “meramente” policial. Na oportuna comparação de Sérgio Habib:

(…)o crime evoluiu, organizou-se, estatizou-se, profissionalizou-se, é dizer, transformou- se, assumindo novas modalidades, entrelaçando-se, mais das vezes, numa emaranhada rede de corrupção e de tráfico de influências de tal sorte que a sua apuração já não pode mais ser feita à base da antiga lupa, senão que por intermédio de lentes possantes e de alta tecnologia, nem sempre acessíveis à investigação tradicional. 26

A criminalidade violenta é paulatinamente sobrepujada pela “astúcia, pelo enleio, pelo ardil, pela fraude e pelo artifício, as ruas cedem espaços a infovias, fazendo do computador e da tecnologia instrumentos do crime, tal como o revólver o é”.27

Ou ainda, como observa Arthur Pinto de Lemos Júnior:

O modelo de investigação criminal tradicional não tem alcançado o objetivo almejado. A situação de uma equipe de dois ou três investigadores de polícias saírem às ruas em busca de informações sobre o delito, ou a perniciosa utilização dos gansos (informantes constantes da polícia), é, sem dúvida alguma, útil para o esclarecimento de delitos sem qualquer complexidade, tais como alguns assaltos, homicídios, furtos, etc. No entanto, quando um crime de roubo resulta de uma das atividades de uma organização criminosa, se se pretende punir os verdadeiros autores do delito, há que se buscar outras alternativas para o trabalho de investigação criminal.28

Isso ganha maior relevância se considerado perfil constitucional do Ministério Público, com o advento da Constituição de 1988. Como no paradoxo apontado por Lenio Streck e Luciano Feldens:

Paradoxalmente, a grande transformação no papel do Ministério Público no paradigma do Estado Democrático de Direito verifica-se naquilo que foi a razão de seu surgimento. Com efeito, atuando como membrana do Poder Executivo, e servindo-lhe orgânica e politicamente, não é desarrazoado afirmar-se que no plano da persecução penal a Instituição do Ministério Público, em seu nascedouro, postou-se ao desempenho de uma função preponderantemente conectada à proteção dos interesses econômicos das camadas dominantes da Sociedade. Para tanto, basta-nos examinar sua trajetória institucional em terra brasilis, onde, até 1988, não passava de um apêndice do Poder Executivo, propulsor de um Direito Penal de cunho liberal-individualista.29

Como foi observado, isso não significa que a presidência da investigação a cargo do Ministério Público resolva, como em um passe de mágica, todos os problemas da “verdadeira criminalidade globalizada e organizada”.Evidente que não!

Acontece, porém, que por mais paradoxal que pareça, a complexidade na persecução penal, ainda exige uma unidade, que só pode ser alcançada pelo e atraves do dominus litis.

Em outras palavras, a complexidade criminógena, exige uma maior especialização na detecção e combate para instrumentalização dos aparelhos persecutórios penais.

Como tem ocorrido em diversas áreas de conhecimento, a especialização, muitas vezes, provoca detrimento inversamente proporcional na unidade. É neste sentido que a instituição Ministério Público, renasce como a “unidade necessária da persecução penal”, em épocas de especialização “criminógena”.

 Isso se dá, primus, pela própria missão constitucional do Ministério Público para onde convergem todas as instruções extraprocessuais preparatórias (investigações). Ora, a instrução pré-processual tem por escopo principal fundamentar a cognição do agente ministerial natural para a causa penal. Secundus, as garantias e prerrogativas investidas ao Parquet e seus membros, permitem uma maior “blindagem” contra interesses obscuros, o que, por uma série de fatores, não é tão evidente nos órgãos policiais.

Vide por exemplo, as principais prerrogativas apontadas por Antônio Araldo Ferraz Dal Pozzo:30 vitaliciedade (art. 128, parágrafo 5o, a, CF); inamovibilidade (art. 128, parágrafo 5o, b, CF), irredutibilidade de vencimentos (subsídios, art. 128, parágrafo 5o, c, CF); independência funcional e o foro por prerrogativa de função; além das garantias política dos membros do Ministério Público, como a isonomia dos vencimentos, vedações, promoção e aposentadoria.

A “polícia brasileira” não apresenta a mesma “blindagem institucional”, importante fato na “cultura da impunidade tupiniquim”, malgrado esforços de muitos policiais audaciosos.

Defendendo uma atribuição mais ampla e prospectiva, no sentido da totalidade da instrução preliminar a cargo do Ministério Público, assim escreve Aury Celso Lima Lopes Júnior:

Atribuir ao Ministério Público o comando da instrução preliminar é a melhor solução para o processo penal brasileiro, principalmente se levarmos em conta que o MP no Brasil é independente, gozando das mesmas garantias da Magistratura. Possui poderes tanto no plano constitucional (art. 129 da CB), como também no orgânico (especialmente nos arts. 7o e 8o da Lei 75/93 e art. 26 da Lei 8625/93), para participar da investigação ou realizar seu próprio procedimento administrativo processual.31

Não se pode esquecer, ainda, a tendência mundial do fortalecimento das funções do Ministério Público, conforme aponta o Direito Comparado.

Noticia Edinaldo de Holanda Borges que,32 em setembro de 1991, realizou-se, na Universidade de Roma – Itália, um Congresso Internacional para a elaboração de um Código Modelo de Processo Penal para a América Latina, contando com a presença, dentre outros de Ada Pellegrini Grinover, José Carlos Barbosa Moreira, Antônio Scarance Fernandes e Carlos Eduardo Vasconcelos.No art. 68 do referido estatuto, consta que ao Ministério Público é confiado o exercício da “perseguição penal”, com a presidência da instrução preliminar, podendo praticar, por si, ou determinar sua prática por funcionários públicos, qualquer classe de diligências (art. 261).No referido código há ainda a previsão de subordinação funcional da Polícia ao Ministério Público.

Vale não deslembrar, de forma complementar, a eficiência atual de alguns instrumentos instrutórios diversos do inquérito policial.

No âmbito federal é o caso, por exemplo, dos procedimentos administrativos levados a efeito pela Receita Federal, Banco Central, IBAMA e COAF, apenas para citar os casos mais comuns.

Não que o trabalho da Polícia seja ineficiente, porém tudo isto leva a confirmar que o Ministério Público, como destinatário da instrução extraprocessual e diante de circunstâncias especiais diversas, é a “unidade necessária” para o exercício da ação penal, podendo administrar situações que demandem coleta de elementos probatórios, ordinariamente pelos órgãos policiais, extraordinariamente por outras entidades administrativas ou, ainda, por ele próprio. Quem melhor que o Ministério Público para, fundamentadamente, decidir sobre estas situações? Afinal, é ele o destinatário dos elementos colhidos.

Indicando as dificuldades dos órgãos policiais no combate de crimes contra o sistema financeiro, “lavagem de dinheiro”, entre outros, vale mencionar as oportunas palavras de Raquel Branquinho P. Mamede Nascimento:

O crime organizado ou mesmo aquele praticado de forma isolada, mas que tenha
correlação com evasão de divisas, sonegação fiscal, gestão fraudulenta ou temerária de instituições financeiras, dentre outros, são praticados sob as mais elaboradas formas, contando com o auxílio intelectual de especialistas em informática, economia, contabilidade, etc., o que torna extremamente difícil aos órgãos estatais encarregados da investigação a sua elucidação. No âmbito federal, apenas em final dessa última década a Polícia Federal estruturou um setor próprio para investigação desses crimes – DCOIE/Divisão de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais, sendo imprescindível ressaltar que tal Divisão ainda conta com as mais diversas dificuldades operacionais e estruturais, notadamente no que concerne ao suporte técnico especializado. Basta dizer que em todo o país, o Departamento de Polícia Federal conta com menos de dez peritos efetivamente capacitados a desenvolverem análises mais elaboradas na área de informática, não obstante efetiva demanda de aprimoramento desse setor, pois qualquer investigação de crimes de colarinho branco depende do efetivo apoio técnico apropriado.33

Nesse aspecto, o projeto de lei que altera o Código de Processo Penal, no tocante à investigação, faz alusão expressa no sentido de que, “tratando-se de infração penal praticada contra o Sistema Financeiro Nacional, a ordem tributária ou econômica, os elementos de informação serão remetidos pela autoridade administrativa diretamente ao Ministério Público para as providências cabíveis” (art. 26 do Projeto de Lei).

Não se pode concordar, em hipótese alguma, com as palavras de Alexandre Abrahão Dias Teixeira,34 no sentido de que “parece óbvio que só o delegado de polícia e seus agentes é que tem a habilidade profissional para promover a investigação, já que foram treinados e preparados durante toda uma vida para este tipo de trabalho”. A afirmação não tem base científica. Não se trata de habilidade individual em relação a algumas questões específicas. Nem delegado, nem promotor estão bem preparados individualmente, trata-se, em verdade, de questões estruturais e institucionais.

Estas dificuldades estruturais na “instrução preliminar” a cargo da Polícia, foram (cientificamente) expostas por Aury Celso Lima Lopes Júnior sob a rubrica “argumentos contrários”:

É um sistema arcaico e totalmente superado, cuja ineficiência é patente. Excepcionalmente, em países como a Inglaterra, atendendo às especiais características sociais, políticas e de estrutura judicial, esse sistema pode ser considerado como satisfatório. Obviamente não é o caso do Brasil. […]

Como argumentos contrários, entre muitos outros, apontamos:

a) A polícia é o símbolo mais visível do sistema formal de controle da criminalidade, e, em regra, representa a first-line enforcer da norma penal. Por isso, dispõe de uma discricionariedade de fato para selecionar as condutas a serem perseguidas. Esse espaço de atuação está muitas vezes na zona cinza, no sutil limite entre o lícito e o ilícito. Em definitivo, não se deve atribuir à polícia ainda mais poderes (como a titularidade da instrução), mas sim exercer um maior controle por parte dos juízes, tribunais e membros do MP. A polícia deve ser um órgão auxiliar e não o titular da instrução preliminar, pois quanto maior é o controle real dos Tribunais e do MP sobre a atividade policial, menor é essa discricionariedade, e o inverso também é verdadeiro.

b) A eficácia da atuação policial está associada a grupos diferenciais, isto é, mostra-se mais ativa quando atua contra determinados escalões da sociedade (obviamente os inferiores) e distribui impunidade em relação à classe mais elevada. Também a subcultura policial possui seus próprios modelos preconcebidos: estereótipo de criminosos potenciais e prováveis; vítimas com maior ou menor verssimilitude; delitos que “podem” ou não ser esclarecidos, etc. O tratamento do imputado é diferenciado, e conforme ele se encaixe ou não no perfil prefixado, o tratamento policial será mais brando e negligente ou mais rigoroso. Essa última situação é constantemente noticiada, em que a polícia, frente ao “perfil do autor ideal” daquela modalidade de delito, atua com excessivo rigor e inclusive age ilicitamente, para alcançar todos os meios de incriminação (muitas vezes inexistentes). Assim são cometidas as maiores barbáries, refletindo-se nas elevadas cifras da injustiça da atuação policial.

c) A polícia está muita mais suscetível de contaminação política (especialmente os mandos e desmandos de quem ocupa o governo) e de sofrer a pressão dos meios de comunicação. Isso leva a dois graves inconvenientes: a possibilidade de ser usada como instrumento de perseguição política e as graves injustiças que comete no afã de resolver rapidamente os caos com maior repercussão nos meios de comunicação.

d) O baixo nível cultural e econômico de seus agentes faz com que a polícia seja um órgão facilmente pressionável pela imprensa, por políticos e pelas camadas mais elevadas da sociedade. Também é responsável pelo embrutecimento da polícia e o completo desprezo dos direitos fundamentais do suspeito, que de antemão já é considerado com culpado pela subcultura policial. Por fim, a credibilidade de sua atuação é constantemente colocada em dúvida pelas denúncias de corrupção e abuso de autoridade.35

Em conclusão, no sistema processual brasileiro o Ministério Público ocupa posição privilegiada para o desempenho e desenvolvimento de uma política criminal minimamente ética.

  • Procurador da República

Notas

1 O próprio autor intitula-se transmoderno: “Há uma segunda posição, a partir da periferia, que considera o processo da modernidade como a indicada “gestão” racional do sistema-mundo. Esta posição tenta recuperar o recuperável da modernidade, e negar a dominação e exclusão do sistema-mundo. É, então, um projeto de libertação da periferia negada desde a origem da modernidade. O problema não é a mera superação da razão instrumental (como para Habermas) ou da razão do terror dos pós-modernos, mas a superação do próprio sistema-mundo tal como foi desenvolvido até hoje durante 500 anos. O problema que se descobre é o esgotamento de um sistema civilizatório que chega a seu fim. A superação da razão cínica-gerencial (administrativa mundial) do capitalismo (como sistema econômico), do liberalismo (como sistema político), do eurocentrismo (como ideologia), do machismo (na erótica), do predomínio da raça branca (no racismo), da destruição da natureza (na ecologia), etc., supõe a libertação de diversos tipos de vítimas oprimidos e/ou excluídos. É neste sentido que a ética da libertação se define como transmoderna (já que os pós-modernos são ainda eurocêntricos)” (grifo nosso). DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. 2 ed., Petrópolis: Vozes, 2002. p. 65.

2 Sistema-mundo para Dussel constitui o sistema inter-regional em sua fase atual, mundial ou planetária, surgida quando a Europa, até então periférica, substitui o mundo muçulmano-turco e constitui o primeiro sistema-mundo propriamente dito, colocando a Amerindia como sua primeira periferia, processo iniciado desde o século XV. Ele usa a expressão “centro” e “periferia” como os horizontes culturais de “mundos de vida” determinados por seu lugar dentro do sistema-mundo, sendo o centro constituído pelos países do Norte (Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão), estando a China e Rússia em uma posição especial, sendo “o resto”, a periferia. Trecho baseado e extraído da Tese 1 da obra citada, p. 631.

3 Conforme apresentação da obra: “Na primeira parte (Dussel) aborda uma crítica às morais formais (Kant, Rawls, Apel, Habermas) a partir de um princípio material ou de conteúdo com pretensão de universalidade: o dever de produzir, reproduzir e desenvolver a vida humana em comunidade. O princípio da factibilidade ética, por sua vez, permite que o cumprimento do ato, instituição ou sistema de eticidade possa ter a pretensão de bondade. Na segunda parte – dada a impossibilidade de que o referido ato, instituição ou sistema de eticidade “bons” possam ter pretensão de perfeição acabada – descobrem-se os que “sofrem” em sua corporalidade vulnerável a impossibilidade de viver, o fato de serem excluídos. Trata-se das vítimas, no dizer de Marx, Horkheimer, Benjamim, Nietzshe, Freud ou Lévinas. A partir das vítimas começa propriamente o discurso da ética da libertação, em seu nível negativo material (devem poder viver), no nível do princípio discursivo crítico (devem poder participar da argumentação), culminando tudo no princípio crítico negativo de factibilidade: o princípio-libertação, que inspira as transformações com pretensão de justiça. DUSSEL, Enrique. Op. cit.

4 Idem, p. 544-558.

5 A expressão “transformação” tem uma conotação toda especial em Dussel. Criticando Rosa de Luxemburgo que contrapõe reforma social e revolução, entendendo como reformista aquele que, pretendendo cumprir com os princípios revolucionários, caiu na ‘adaptabilidade do capitalismo’ (p. 536), Dussel acrescenta uma terceira via, a transformação, conceito onde a noção de revolução estaria contido, senão vejamos in verbis (p. 538/539): “Mas para aÉtica da Libertação, de modo diferente da de Luxemburg, a ação ética contrária à práxis funcional (a que se cumpre em sistema sem contradição) ou reformista (a que tem má consciência e que explicar criticamente as razões de sua ação conformista) não é a ‘revolução’ mas a ‘transformação’. Isto é de grande importância estratégica (e até tática) porque, se a ética da libertação tentasse justificar a bondade do ato humano só a partir da ‘revolução’, exclusivamente, teria destruído a possibilidade de uma ética crítica (ou de libertação) da vida cotidiana. (…) Só a transformação crítica de um sistema de eticidade completo (uma cultura, um sistema econômico, um estado, uma nação, etc.) leva o nome de ‘revolução’. ‘Transformar é mudar o rumo de uma intenção, o conteúdo de uma norma: modificar uma ação ou instituição possíveis, e até um sistema de eticidade completo, em vista dos critérios e princípios éticos …”

6 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: editora Perspectiva, 2002.

7 DERRIDA, Jaques. Force de loi: le fondement mystique de l´autorité. Cardoso Law Review. v. 11. july/aug. 1990. nunbers 5-6. p. 920-1045.

8 MARX, Karl. O capital: crítica da economia capitalista. Rio de Janeiro: editora civilização brasileira.

9 ARENDT. Hannah. Op. cit., p. 49.

10 ARENDT, Hannah. On revolution, Penguim Books, Londres. apud DUSSEL, Enrique. Op. cit., p. 544: “Uma teoria da guerra ou uma teoria da revolução pode somente ser justificação da violência, porém o que é glorificação ou justificação da violência enquanto tal, já não é política mas antipolítica”.

11 ARENDT. Hannah. Op. cit., p. 140.

12 A autoridade, além da violência, é também incompatível com a persuasão já que nesta se pressupõe igualdade e processo de argumentação, mecanismos incompatíveis com a obediência inspirada na autoridade. Em suas palavras (p. 129 da obra citada): “Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é utilizada, a autoridade em si mesmo fracassou. A autoridade, por outro lado, é incompatível com a persuasão, a qual pressupões igualdade e opera mediante um processo de argumentação. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica. Se a autoridade deve ser definida de alguma forma, deve sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão através de argumentos.”

13 DERRIDA, Jaques. Force de loi: le fondement mystique de l’autorité. Cardoso Law Review. v. 11. juy/aug. 1990. Nunber 5-6, p. 920-1045.

14 É com base nesta necessidade que Dussel apresenta uma contradição perfomativa do anarquismo “O anarquista argumenta: se todos os membros de uma comunidade fossem eticamente perfeitos, não seria necessária nenhuma instituição… Toda a instituição (à luz do sistema perfeito) pode ser interpretada sempre e inevitavelmente como uma mediação disciplinar, repressora ou perversa (diz o anarquista)… Mas empiricamente, tenta-se realizar na existência concreta um modelo impossível … isto leva o utopista a cair em perigosos irrealismos, num voluntarismo ético, na falta de consideração das condições reais de factibilidade.” (p. 273) “Se todos os membros de uma instituição forem perfeitos, eticamente, como sonha o anarquista, nenhuma instituição seria necessária e por isso seriam perversas já desde a sua origem. Neste caso, a coação jamais poderia ser legítima; e coação e legitimidade se oporiam por definição. Mas empiricamente, e dada a impossibilidade de pressupor uma tal perfeição, a vida humana seria impossível, porque qualquer membro injusto poderia oprimir pela força os restantes, inocentes e indefesos, e poderia facilmente instaurar a tirania de sua vontade sem enquadramento institucional possível. O anarquista cai numa contradição perfomativa ao pretender evitar a coação da instituição possibilitando uma pior coação sem possível defesa, nem participação dos membros inocentes violentados. Quem poderia limitar, opor-se ou desarmar o membro injusto que usasse a força contra a comunidade?” DUSSEL, Enrique. Op. cit., p. 545-546.

15 A noção de lei penal pode ser abordada de maneira abrangente, como v. g., propõem os professores professores E. Raúl Zaffaroni, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar e Nilo Batista. Um conceito de lei penal que abranja:

a) as leis penais manifestas (código penal, leis penais especiais, disposições penais em leis não penais); b) as leis penais latentes que, com qualquer função manifesta não-punitiva (assistencial, tutelar, pedagógica, sanitária, etc.) habilitem o exercício de um poder punitivo; c) as leis restantes com função punitiva eventual são leis penais eventuais (ou eventualmente penais): aparecem quando o exercício do poder estatal ou não-estatal, habilitado por leis que não têm funções punitivas manifestas nem latentes, eventualmente (em alguns casos) pode ser exercido como poder punitivo, segundo o uso que delas façam as respectivas agências ou seus operadores (o exercício do poder psiquiátrico, do poder assistencial concernente a velhos, doentes ou crianças, do poder médico em tratamento dolorosos mutiladores, do poder disciplinar quando institucionaliza ou inabilita etc.), é paradigmático, a este respeito, o caso da prisão preventiva, considerado com razão como pena antecipada (e erosão processual da pena). ZAFFARONI, E. Raúl. BATISTA, Nilo, e outros. Direito Penal Brasileiro: Teoria Geral do Direito Penal. 2ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

16 Note-se que a noção de produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana, em Dussel, é uma noção ampla, conforme se pode extrair de sua Tese 11, na página 636 da obra citada: “Então não distinguiremos, no texto entre uma mera sobrevivência ou reprodução material física (comer, beber, ter saúde) e um desenvolvimento cultural, científico, estético, místico e ético. Nesta Ética da libertação, as palavras ‘produção, reprodução e desenvolvimento’ da vida humana do sujeito ético ‘sempre’ significam não só o vegetativo ou o animal, mas também o ‘superior’ das funções mentais e o desenvolvimento da vida e da cultura humana. Indicam um critério material a priori ou anterior a toda ordem ontológica e cultural vigente. Neste último caso, a posteriori, desempenha também a função de critério material crítico do juízo ético, do enunciado descritivo ou de fato, ou da própria ordem cultural ou sistema de eticidade dados
como totalidade”.

17 Sobre o tema:

CIRINO DOS SANTOS. Juarez. Crime organizadoin palestra proferida no 1o Forum Latino-Americano de Política Criminal, promovido pelo IBCCRIM, de 14 a 17 de maio de 2002. Riberão Preto, atualmente disponível na internet: cirino.com.br.

RAMOS, João Gualberto Garcez. A histeria que mata. Disponível <http://www.cirino.com.br/artigos/jggr/histeria_que_mata.pdf&gt;. Acesso em: 17 nov. 2005.

RAMOS, João Gualberto Garcez. Lavagem de dinheiro e os advogados. Disponível em <http://www.cirino.com.br/artigos/jggr/lavagem_provocacoes.pdf >. Acesso em: 17 nov. 2005.

18 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ed. Rio de Janeiro: Renvan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 157-158.

19 SUXBERBER, Antônio Henrique Graciano. O papel do Ministério Público no crime organizado. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília, ano 11, vlume 22, p. 36-37, jul./dez 2003.

20 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. Rio de Janeiro: Forense, 2005.p. 05 e 08.

21 Nas palavras de Mireille Delmas-Marty: “De um lado, el Derecho Penal intervensionista y expansionista es puesto em tela de juicio em el doble plano de la legitimidad y de la eficacia, es decir, tanto em el plano moral de la adhesión a los valores y a los intereses impuestos por la norma como en el plano operativo de su ejecución. Si se entiende por crisis el ‘momento de una infernedad caracterizada por un cambio súbito y generalmente decisivo para bien o para mal’, la reivindicación del derecho a la diferencia y el nothing works son expresivos, en este momento, del estado de crisis de la justicia penal. A este respecto una solución negociada de los conflictos parece una solución más fácilmente aceptada que un arreglo impuesto.” DELMAS-MARTY, Mireille. El processo penal en Europa: perspectivas. Revista del Poder Judicial, n. 37, 2ª época, p. 79-91, marzo 1995.

22 SILVA, Kédyna Cristiane Almeida. As políticas criminais contemporâneas: ênfase nas reformas dos sistemas processuais europeus. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, V. 02, n. 08, p. 101, jul./set. 2003.

23 Idem,p. 102.

24 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Ob. cit., p. 33, 2005.

25 ROBINSON, Jeffrey. A Globalização do crime. Tradução de Ricardo Inojosa. Rio de Janeiro: Ediouro, p. 19, 2001.

26 HABIB, Sérgio. O poder investigatório do Ministério Público. Consulex: revista jurídica, v. 7, n. 159, p. 14,

27 FELDENS, Luciano. Sigilo bancário e Ministério Público: da necessária coabitação entre as Leis Complementares 105/01 e 75/03. Boletim dos Procuradores da República, v. 5, n. 56, p. 12, dezembro 2002.

28 LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de. A investigação criminal diante das organizações criminosas e o posicionamento do Ministério Público. Revista dos Tribunais, fascículo penal, São Paulo, v. 91, n. 795, p. 411-451, janeiro 2002p. 412.

29 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 19.

30 DAL POZZO, Antônio Araldo Ferra. Democratização da Justiça – atuação do Ministério Público. Justitia, n. 127, p. 42-49.

31 LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001, p. 64.

32 BORGES, Edinaldo de Holanda. O sistema processual acusatório e o juizado de instrução. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, v. 02, n. 06, p. 53-54, jan./mar. 2003.

33 NASCIMENTO, Raquel Branquinho P. Mamede. Aspectos investigativos dos crimes contra o sistema financeiro nacional, de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Boletim dos Procuradores da República, v. 4. n. 42, p. 22-23, outubro 2001.

34 TEIXEIRA, Alexandre Abrahão Dias. A investigação criminal e o Ministério Público. Jus navegandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2292&gt;. Acesso em: 09 nov. 2005. P. 02. Vide também do mesmo autor: As questões relativas ao inquérito e a sua exata visão no direito brasileiro antes e após a CF/88. Revista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro – EMERJ, v. 5, n. 19, p. 190-196, 2002.

Referências bibliográficas

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LOPES JÚNIOR, Aury Celso. Op. cit., p. 48. Cumpre saliente que o autor apresenta algumas vantagens ao sistema de instrução preliminar presidida pela Polícia. Esta observação é oportuna, pois, muitos têm utilizado as palavras de Aury Lopes Júnior apresentando os pontos positivos da investigação pela polícia e pontos negativos da instrução pelo MP, levando o leitor a entender que o referido autor seja contrário à instrução preliminar presidida pelo MP.

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______________. Lavagem de dinheiro e os advogados. Disponível em <http://www.cirino.com.br/artigos/jggr/lavagem_provocacoes.pdf >. Acesso em: 17 nov. 2005.

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